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O céu da humanidade

Com a chegada do outono no hemisfério Sul e da primavera no hemisfério Norte, começa o Equinócio de Março. O Sol cruza o equador celeste e passa da metade Sul para a metade Norte do céu. É o começo do ano das estações, do ano astrológico, o primeiro grau de Áries.

Na quarta-feira, 20 de março, começou realmente o ano de 2024. As 0h06m ocorreu o Equinócio de Março, quando se iniciou o outono no hemisfério Sul a primavera no hemisfério Norte. Neste instante preciso, o Sol cruzou o equador celeste e passou da metade Sul para a metade Norte do céu. É o começo do ano das estações, do ano astrológico, o primeiro grau de Áries. É o momento de um novo começo. E é o momento de um novo começo do Centro de Estudos Universais, celebrado por ações terapêuticas, músicas, cantos e danças de toda parte de um único mundo. Este momento também abriga uma fala sobre o ciclo de encontros “O Céu da Humanidade”, conduzidos por mim, Amâncio Friaça, que vai ocorrer neste abençoado ano de 2024.

 

O início do ano das estações é tão celebrado pois cosmologias tradicionais reconhecem o princípio da simpatia, pelo qual as coisas terrestres têm correspondências com as coisas celestes e vice-versa. Na “oração do heliotropo”, o filósofo neoplatônico Proclus se pergunta por que o heliotropo (girassol) segue o movimento do Sol e o selenotropo (giralua) acompanha o curso da Lua, e dá a resposta em sua doutrina. As coisas terrestres existem no céu num estado celeste: plantas, animais, humanidades, e no céu está o melhor delas. Daí “o céu da humanidade”, pois é um olhar para o melhor da humanidade que está no céu.

 

O céu é menos condicionado que a terra, e, ao olharmos e seguirmos o curso celeste, como o girassol segue o Sol, libertamo-nos das repetições do contexto terrestre. E mudamos. E nos transformamos. Os equinócios, os começos da primavera ou outono, e os solstícios, os começos do verão ou inverno, são pontos de mudança, pois se passa de uma estação para outra. Mudança em grego é “tropos”. Por isso, o ano das estações é também chamado de “ano tropical”. Estes momentos cósmicos de mudança e transformação são celebrados nos festivais tradicionais. Seguindo a mudança do Sol no céu, nós também mudamos, o “céu da humanidade” exibe o modelo de uma humanidade melhor, um caminho para a transformação de todos nós.

 

O mundo parece que vai acabar, não é verdade? Mas ao olhar para o alto, temos os equipamentos para não apenas sobrevivermos, mas antes contornarmos um apocalipse, que afinal de contas significa transformação profunda. Fim dos tempos é uma expressão usada para designar o fim do mundo. Aí fica a dica. O mundo acaba um pouco quando se acabam os tempos verbais. No mundo dominado pela por uma internet da mesmice e por uma burra Inteligência Artificial, o único tempo verbal é o imperativo, ou, o que dá no mesmo, o interrogativo direcionado (duas escolhas, com uma já carta marcada desde o início). Entramos em frações de segundo com comandos no celular e curtimos, mas nem percebemos que nossa digitação foi já é o resultado de imperativos que vieram de algum lugar. Aí fica a dica. Quer que o mundo não acabe? A fração de segundo está te matando. Pare. Sinta o tempo. O tempo longo é um equipamento de sobrevivência precioso.

 

Outro item do kit de sobrevivência é usar outros tempos verbais, além do imperativo, além do comado. Temos o presente e o pretérito. Coisas que estão acontecendo aqui, coisas que já aconteceram. O mundo das pessoas é importante, e o de outros seres também, animais, plantas, águas, ares, criaturas que aparecem em lugares obscuros, nas visões e nos sonhos. Assim, o fim do mundo começa a parecer ainda mais ilusório, porque temos muitos mundos. E não podemos esquecer do mundo interior...

 

Há a força salvadora da narrativa, uma palavra que foi tão degradada que virou sinônimo de mentira. Narrativa, contar histórias, grandes histórias até o nível cósmico, histórias íntimas, até o mais central de nós mesmos. Sempre o mundo interior... Narrar o que vemos, o que ouvimos, o que meditamos. Em relação aos tempos verbais, temos o futuro e condicional. O futuro se refere ao que não existe. Assim, usar o futuro é falar do possível, das várias possibilidades que se bifurcam no agora. Usar o condicional, o que poderia ter ocorrido, não é um exercício fútil, bem ao contrário. É uma arte de mestre. No futuro, falamos de infinitos mundos que estão surgindo agora. No condicional falamos de muitos mundos paralelos ao nosso. Esses tempos verbais não só salvam o mundo, mas salvam mundos.

 

O sonho é uma dimensão importante da vida interior. No tempo dos sonhos estamos em um outro mundo. Às vezes, esse outro mundo guarda possibilidades para o mundo da vigília. Vivemos em um mundo em que estamos tão exaustos que frequentemente não temos sonhos noturnos. Em compensação, temos muitos sonhos diurnos que são impostos pelos imperativos lançados pelos nossos dispositivos tecnológicos o tempo todo. Podemos pensar em outro imperativo. Sonhe! E, ao acordar, lembrar o sonho. E usar a narrativa. Contar o sonho a alguém. Ou ouvir o sonho de alguém. Então o mundo se enriquece. Este mundo cruza com o mundo dos sonhos.

 

 

Amâncio Friaça é astrofísico e astrobiólogo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Atuante nas áreas da astrobiologia, cosmologia, evolução da complexidade no Universo, transdisciplinaridade, educação científica, relações entre ciência e sociedade.

 

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